III Frontal Action Domains

Quando não é possível atribuir qualquer função emocional ou cognitiva a qualquer porção discreta do córtex frontal, é possível, com o conhecimento actual, atribuir o conteúdo da rede cognitiva à hierarquia hipotética que temos traçado na superfície lateral do lobo frontal humano. Com isto queremos dizer que existem domínios relativamente bem definidos dentro dessa hierarquia que parecem especializar-se em um ou outro aspecto da emoção ou da motilidade. Portanto, podemos fazer algum mapeamento provisório do córtex frontal, não em termos de funções ou processos específicos, mas sim em termos da natureza dos cognits ou memórias que essas funções não-localizáveis utilizam. Se fizermos isso, então a hierarquia executiva monolítica descrita na Figura 8.3 para fins heurísticos se fragmenta em hierarquias de componentes para uma ou outra categoria de ações. Cada uma dessas hierarquias, como a geral representada na figura, é orientada para cima e se expande das áreas motoras primárias para o córtex pré-frontal. Assim, um grau de topografia é compatível tanto com a organização hierárquica quanto com a rede associativa de conteúdos executivos. Em qualquer caso, devemos distinguir cuidadosamente o conteúdo cognitivo da função cognitiva. Na literatura do córtex pré-frontal, um é frequentemente confundido com o outro.

A evidência analisada nos capítulos anteriores aponta para algumas hierarquias separadas para domínios de acção separados no córtex frontal do primata. Cada domínio de ação forneceria o substrato neural para a representação e processamento de uma categoria diferente de movimentos. É até possível traçar dentro dele a conectividade neural que suporta o fluxo de informação nessa hierarquia. A segregação topográfica por domínio de ação, entretanto, não parece ser completa; certas áreas parecem ser compartilhadas por domínios diferentes, sugerindo interações funcionais entre domínios. De qualquer forma, com as evidências disponíveis, não é possível traçar fronteiras claras entre elas, mas os princípios da sua organização podem ser inferidos com confiança.

Baseado nas evidências dos Capítulos 2 e 4-7Capítulo 2Capítulo 4Capítulo 5Capítulo 6Capítulo 7, vamos tentar delinear, por mais grosseiramente que seja, três domínios de acção diferentes – e hierarquias – no córtex frontal lateral: os domínios da motilidade esquelética, da motilidade ocular e da fala.

Motilidade esquelética tem sua base na área 4 pela terminologia de Brodmann, ou seja, o córtex motor primário pré-central (M1), que constitui o substrato anatômico para os movimentos da cabeça, tronco e membros. Logo acima desse córtex, na hierarquia para a representação e processamento dos movimentos esqueléticos, está o córtex pré-frontal da área 6, e acima deste está o córtex das áreas pré-frontais 8, 9, 10, e 46. Enquanto na área 4 há um grau de somatotopia, no córtex pré-frontal e pré-motor, as ações são representadas em um nível mais global, por objetivo e trajetória de movimento e através de grupos musculares. Além disso, um corolário do princípio geral deste autor sobre como as redes de memória estão organizadas é que, nesses cortices superiores, as ações representadas são mais abstratas e ao mesmo tempo mais pessoais, peculiares ao organismo individual. Isso se aplicaria não apenas à memória de ações passadas, mas também à “memória prospectiva” de ações planejadas ou imaginadas.

No córtex pré-motor do macaco, Rizzolatti e seus colegas descobriram os “neurônios espelho” (Rizzolatti et al., 1996; Rizzolatti e Craighero, 2004). Estes são um tipo particular de neurônios que são ativados quando o sujeito realiza uma determinada ação motora, assim como quando observa outro sujeito realizar a mesma ação. O papel de tais neurônios ou do sistema presuntivo do qual eles fazem parte tem sido objeto de considerável especulação, grande parte dela infundada. Para citar Rizzolatti (2005),

a questão de qual é a função dos neurônios espelho ou do sistema de neurônios espelho está mal colocada. Os neurónios-espelho não têm um papel funcional específico. As propriedades dos neurônios espelho indicam que o cérebro primata é dotado de um mecanismo para a descrição pictórica das ações …

Se estendermos o adjetivo “pictórico” para incluir modalidades sensoriais além da visão, essa interpretação coincide com minha visão dos neurônios que constituem uma cognição ou rede executiva frontal. Esses neurônios, em seu conjunto, codificam ações específicas. Como tal, as células participam tanto da representação como da reprodução de uma ação – ou de várias ações. Assim, os neurônios espelho representam, no córtex pré-frontal, o princípio Jacksoniano da identidade dos substratos representacionais e executivos que orienta o raciocínio neste capítulo sobre as funções do córtex pré-frontal, especialmente sua convexidade dorsolateral, exceto que neste córtex, as ações são mais globais, mais amplamente definidas do que no córtex pré-frontal, e se estendem além da musculatura esquelética.

O domínio hierárquico da motilidade ocular não parece ter uma base em M1 (conceitualmente sua base é subcortical, no colículo superior, que é um homólogo cortical nas espécies inferiores). As representações frontais mais baixas dos movimentos oculares estão nas áreas 8 e 6 (área motora suplementar oculomotora). Destas, a hierarquia e a conectividade para o movimento ocular estende-se para cima nas áreas 9 e 46. Nessas áreas do córtex do macaco, como demonstra a pesquisa de Goldman-Rakic (1995) e seus colaboradores, a memória representativa dos locais visuais pode ser encontrada. Neurônios nessas áreas do córtex pré-frontal participam da memória de trabalho dos locais visuais para a integração dos movimentos oculares direcionados por metas. Esses neurônios fornecem uma clara indicação de que, no córtex pré-frontal, as representações em rede do movimento dos olhos se misturam com uma representação em rede mais ampla de uma tarefa de trabalho-memória com todos os seus componentes sensoriais, motores e de recompensa.

A hierarquia frontal para a representação e processamento da fala tem sua base na subárea orofaríngea de M1. Acima disso, em ordem hierárquica incerta, estão algumas áreas pré-motoras (incluindo a área motora suplementar) e as áreas 44 e 45, que constituem a área de Broca no hemisfério esquerdo. Novamente, as áreas pré-frontais (46, 9, 10) estão acima e além, abrigando os estágios superiores da hierarquia de fala para a representação e organização da fala elaborada e abstrata.

Em cada domínio de ação, os aspectos mais específicos e concretos da ação estão representados nos níveis inferiores de sua hierarquia frontal. Assim, a área 4 representa os movimentos musculares elementares. As redes neuronais nesta área podem ser ditas para armazenar a memória motora da espécie, ou seja, a componente motora do que chamamos de memória flética. Este é o agregado de representações corticais dos movimentos essenciais que a espécie desenvolveu ao longo da evolução, possivelmente por mecanismos semelhantes aos que medeiam a formação da memória individual, apenas num período de tempo muito mais longo. A memória Phyletic pode ser chamada de “memória” porque é um fundo de informação que a espécie adquiriu sobre si mesma e suas relações com o mundo. Também ela, como a memória individual, é “lembrada” para satisfazer as necessidades adaptativas do organismo.

As ações mais complexas, aquelas que o indivíduo aprendeu a realizar após o nascimento, são representadas em áreas hierarquicamente superiores do córtex frontal. Estas não são mais definidas pelo movimento elementar, mas pela trajetória ou pelo objetivo. Algumas são temporalmente estendidas; são sequenciais. A evidência nos Capítulos 4-6Capítulo 4Capítulo 5Capítulo 6 coloca-os em córtex pré-frontal e pré-motor, quer as sequências sejam de movimentos esqueléticos ou oculares. O mesmo é verdade, dentro do seu domínio, para a língua falada. Os fonemas e morfemas podem ser representados no córtex motor primário e na área de Broca, mas as seqüências de fala são de alguma forma, e em algum momento, representadas no córtex pré-frontal e pré-motor. Isto pode ser inferido a partir do papel aparente destes córtices na construção da fala (ver Capítulos 5 e 7Capítulo 5Capítulo 7).

Em termos gerais, podemos concluir que, nos primatas, os aspectos mais complexos e globais da ação comportamental estão representados nas áreas anterior e lateral do córtex do lobo frontal, ou seja, nos estágios superiores das hierarquias frontais para os vários domínios de ação. Um suporte considerável para esta noção está na evidência de que lesões destes setores do córtex resultam na ausência ou falha de programas de comportamento temporalmente estendidos (ver Capítulos 4 e 5Capítulo 4Capítulo 5). Apoio adicional reside na evidência eletrofisiológica dos padrões de atividade neuronal nestes córtices, os quais abrangem temporalmente a totalidade destas estruturas comportamentais (Capítulo 6). No humano (Capítulo 5), há também evidências de que lesões do córtex pré-frontal lateral resultam em uma constrição geral e concretude das estruturas comportamentais, assim como dificuldades em seu planejamento. Além disso, como vimos (Capítulo 7), a atividade metabólica tem mostrado aumentar nas áreas pré-frontais durante o planejamento conceitual de atos motores complexos.

Nem todas as construções de ação, por mais longas e complexas que sejam, estão representadas no córtex pré-frontal; certamente não as rotinas instintivas estereotipadas ou as seqüências de atos automáticos e bem ensaiados. Os animais sem córtex pré-frontal podem realizar ambos. Assim, tais rotinas e sequências não são aí representadas. No Capítulo 4, vimos que animais com lesões pré-frontais têm dificuldade em aprender tarefas de atraso, mas com treinamento extensivo eles acabam aprendendo-as, embora nunca possam realizá-las com longos atrasos intratriais. O fato de aprenderem uma dessas tarefas, entretanto, indica que a construção básica da tarefa, a memória procedural da mesma, está armazenada em outras estruturas, não no córtex pré-frontal. A evidência de neuroimagem (ver Capítulo 7) indica que o córtex pré-frontal intervém na representação e execução de uma tarefa sequencial apenas durante as fases iniciais de aprendizagem. Posteriormente, somos levados a assumir que outras estruturas assumem o comando. O engrama da tarefa, a memória procedural da mesma, parece ter migrado para outro lugar, possivelmente para estruturas hierarquicamente inferiores (por exemplo, córtex pré-frontal, gânglios basais).

O que parece, portanto, estar representado em áreas pré-frontais são as variantes relativamente novas de estruturas de ação antigas, em qualquer que seja o domínio. A novidade de uma estrutura pode ser determinada pela necessidade de adaptação às mudanças no ambiente, ou pode ser gerada pelo indivíduo na criação da imagem mental de um novo programa de ação, de um novo plano. Aí reside provavelmente o papel do lóbulo frontal na criatividade (ver Imaginação e Inteligência Criativa, na Seção VII, abaixo). Deve-se notar, entretanto, que uma estrutura comportamental formada pela agência do córtex pré-frontal, e presumivelmente representada nele, não precisa ser toda nova; de fato, a maioria de seus atos componentes e contexto são, muito provavelmente, peças de antigos repertórios. O que torna a estrutura nova e a coloca sob a alçada deste córtex são as novas contingências e incertezas que ele contém. Isto é o que faz o organismo tratá-lo como novo, ainda que seus componentes possam ser antigos e familiares.

Uma estrutura de ação é um gestual temporal, como uma melodia. Os gestos temporais obedecem às mesmas leis que governam os gestos espaciais (Koffka, 1935; Wertheimer, 1967). Uma delas é a lei da proximidade: elementos próximos ou contíguos são tratados como partes de uma mesma configuração, enquanto que elementos distantes não o são. Aqui, o que dá coesão à gestualidade da ação não é apenas a proximidade temporal dos atos individuais que a constituem, mas também o seu objetivo. Além disso, a gestualidade temporal que estamos tratando é um composto de percepções sensoriais, assim como de atos motores. Os atos perceptuais e motores estão interligados no ciclo percepção-ação (ver seção mais adiante neste capítulo) para formar juntos a gestalt.

A representação central dessa gestalt de ação é o equivalente do que muitos escritores chamam de esquema. O esquema representa o plano ou programa de ação. Ele não representa todos os seus elementos e passos, no entanto. É uma representação abreviada, abstraída, desse plano ou programa, que pode conter alguns de seus componentes e também conter, de alguma forma, seu objetivo. O esquema aqui é quase idêntico ao “esquema” de Piaget (1952) ou ao “esquema antecipatório” de Neisser (1976). É o que alguns psicólogos cognitivos têm chamado de “roteiro” ou “pacote de organização da memória” (Schank e Abelson, 1977; Grafman et al., 1995). É razoável supor que novos esquemas, planos e programas são representados em cognits executivos, ou seja, em redes de grande escala de córtex pré-motor e pré-frontal que atravessam vários domínios de ação. Além disso, é razoável assumir que sua representação frontal é uma pré-condição para sua promulgação, assim como é para orientar as ações para seu objetivo. Como mencionado no Capítulo 5, Luria propôs que os esquemas de ação consistem em comandos lingüísticos ou sínteses (“pré-sinteses”) que estão localizados no córtex pré-frontal e a partir dele regulam o comportamento (Luria, 1973). Isto atribui ao esquema o poder simbólico e abstrativo da linguagem, algo que é concebível no humano mas não em outros animais.

Existe um domínio de ação biologicamente crítico no córtex pré-frontal que não parece estar hierarquicamente organizado: o domínio da emoção. A partir das evidências dos capítulos anteriores, sabemos que este domínio se estende principalmente através dos aspectos mediais e orbitais do córtex pré-frontal. Existem dois grandes focos de representação dentro dele. Um é o córtex orbital, que está íntima e reciprocamente ligado às estruturas límbicas, especialmente a amígdala, o hipotálamo e os sistemas monoaminérgicos do tronco cerebral. Através destas estruturas, as redes orbitofrontais recolhem diversos inputs viscerais (ver Capítulo 6), assim como inputs que transmitem informações relacionadas com os impulsos básicos, estados gerais do organismo e o significado motivacional dos estímulos sensoriais. É principalmente no córtex orbitofrontal que a informação sobre as recompensas reais e esperadas é coletada – através do sistema dopaminérgico – e funneada para o resto do córtex pré-frontal para conduzir e moldar o comportamento. Assim, o domínio da acção orbital está criticamente envolvido na emoção de duas formas principais: (1) agindo sobre as redes cognitivas da convexidade cortical para promover um comportamento de procura de novas vias; e (2) agindo sobre estruturas subcorticais (núcleo acumbente, hipotálamo, estriato, etc.).) e os sistemas autônomo e endócrino para suportar e controlar os principais impulsos do organismo.

O outro foco principal do domínio emocional pré-frontal é o córtex cingulado anterior. Lesões, eletrofisiologia e imagem apontam para esta área como um importante nó em uma rede cortical que está envolvida na atenção, especialmente atenção eficaz, recompensa e o sucesso na obtenção ou fracasso na obtenção de uma recompensa. Esses três tipos de envolvimento neural são consistentes com a suposição de uma função de monitoramento nesse córtex (veja abaixo). O córtex pré-frontal medial, cingulado anterior em primatas, seria pelo menos uma parte de uma rede de monitoramento do sucesso ou fracasso de um desempenho desafiador em direção às metas de recompensa. luz do nosso princípio de atribuir funções operacionais a redes frontais representacionais, é razoável supor que esta rede de monitoramento no córtex medial também participa da correção de erros. A evidência elétrica dos potenciais de correção de erros no córtex cingulado anterior suporta essa inferência (ver Capítulo 6).

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