DISCUSSÃO
Sulfeto de hidrogênio (H2S) é o principal perigo químico da produção de gás natural.6,7 Em uma revisão retrospectiva da indústria de petróleo e gás no Canadá revelou 221 casos de exposição ao H2S de 1969 a 1973, e 173 pacientes foram transportados para o hospital; 14 vítimas (6%) estavam mortas na chegada.8
Os achados neste caso são consistentes com a exposição ao H2S. Havia um histórico de odor de ovos podres emanando de resíduos no local de trabalho que sugeria H2S com sintomas e achados clínicos relacionados, como descrito anteriormente.9-11 H2S é um gás incolor com odor característico.12 Entretanto, a exposição persistente a concentrações de ar acima de 100 ppm produz fadiga olfativa, o que prejudica a capacidade de detectar o odor característico de ovos podres.12
Na sequência do acidente inalatório, o paciente desenvolveu envolvimento de múltiplos órgãos simulando sepse: insuficiência respiratória aguda, obtundação, leucopenia, neutrofilia, perfil de coagulação anormal, insuficiência renal, choque, lesão cardíaca e redução do débito cardíaco (fração de ejeção de 30%).9,13 Um infiltrado pulmonar persistente provou ser uma pneumonia organizadora. A pneumonia organizadora é caracterizada pela presença de tecido de granulação nos espaços aéreos distais consistindo de fibroblastos-miofibroblastos embutidos no tecido conjuntivo.14 Quando pneumonia organizadora é uma característica associada, o termo “bronquiolite obliterante” é adicionado. A bronquiolite obliterante pode seguir-se à infecção pulmonar, toxicidade de drogas ou pode aparecer no contexto de doenças do tecido conjuntivo ou após transplante de pulmão ou medula óssea.15 A pneumonia organizadora criptogênica (COP), a forma idiopática da pneumonia organizadora (também conhecida como BOOP idiopática), é uma entidade clínica distinta. A COP tem as características predominantes da pneumonia, ao invés de um distúrbio primário das vias aéreas.14 A base do tratamento da BOOP é com um corticosteroide resultando em uma rápida melhora clínica e limpeza das opacidades na imagem do tórax sem seqüelas significativas.14,16
A lesão devido à exposição à H2S ocorre principalmente por inalação. Uma vez absorvido, o composto é distribuído no sangue e absorvido pelo cérebro, fígado, rins, pâncreas e intestino delgado. Os compostos de enxofre são severamente irritantes para o trato respiratório, levando à rinorréia, espirros, dor de garganta, chiado, falta de ar, aperto no peito, hemoptise e uma sensação de sufocamento.1 Os compostos de enxofre podem causar leucopenia e neutropenia,9,13 assim como lesão cardíaca com elevação da troponina I e creatina quinase.9,10 O mecanismo da toxicidade da H2S está relacionado à inibição da fosforilação oxidativa, o que causa uma diminuição da energia celular disponível. Um fenômeno referido como “knockdown” foi relatado nos trabalhadores dos campos petrolíferos para descrever uma súbita e breve perda de consciência associada à amnésia, seguida de imediata recuperação total. Este fenômeno geralmente ocorre após exposição a concentrações muito altas de H2S.17
Várias complicações pulmonares podem seguir-se à lesão por inalação. Em um estudo de 203 pacientes com queimaduras de primeiro a terceiro grau, complicações pulmonares desenvolveram-se em 7,8%, levando à síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA) em 5,4%.18 Pneumonia organizativa pode ocorrer após a inalação de fumos tóxicos e produtos químicos. Essas alterações patológicas são relativamente conhecidas para pacientes que foram expostos a concentrações relativamente altas de qualquer composto ligeiramente solúvel em água, tóxico e inalado (não exclusivo para H2S) e podem representar um espectro de concentrações inalatórias e gravidade. É interessante notar que anormalidades pulmonares unilaterais ocorreram no presente caso. Da mesma forma, no estudo citado acima, 36% dos pacientes tinham apenas comprometimento pulmonar direito.18 A presença de leucopenia e neutropenia no presente caso também é interessante. Em um estudo de exposição crônica à H2S, a média absoluta de leucócitos, linfócitos e neutrófilos foi observada como significativamente reduzida no grupo exposto em comparação com o controle.19
O paciente apresentou evidência de neuropatia nas visitas de acompanhamento. Testes neurológicos e neuropsicológicos anuais por pelo menos cinco anos são recomendados para pacientes com exposição ao H2S devido às potenciais sequelas neurológicas crônicas.20 Outros relatos sugerem que perda temporária de memória, déficits de atenção, efeito embotado, amnésia retrógrada permanente, déficits de função executiva, retardamento no processamento central de informações e déficits de planejamento podem ocorrer em tais pacientes.17
A base da terapia são os cuidados de suporte. Há relatos que sugerem que a administração precoce de oxigênio hiperbárico, nitrito de amila e nitrito de sódio pode ser benéfica.2,21 A metemoglobinemia induzida por nitrito de amila é devida à ligação competitiva do ânion hidrossulfato. Este efeito presumivelmente reativa e protege a citocromo oxidase.22 Entretanto, um dos efeitos tóxicos da H2S é a inibição da citocromo oxidase. Os nitritos produzem metemoglobina que tem maior afinidade com a H2S do que com a citocromo oxidase. A sulfmetohemoglobina resultante eventualmente retorna à hemoglobina. O oxigênio hiperbárico em alguns relatos de casos e estudos com animais pode funcionar como um tratamento adjuvante em pacientes com lesão neurológica persistente ou defeitos de oxigenação.23 A troca terapêutica de células vermelhas também pode ser usada para tratar a toxicidade da H2S similar ao tratamento de anilina, arsina, cloraminas, monóxido de carbono, cianeto e, metemoglobinemia.24
Como a H2S é um problema potencial no transporte e armazenamento de petróleo bruto, medidas preventivas são extremamente importantes na prevenção da exposição letal à toxicidade do sulfeto de hidrogênio. O equipamento de proteção pessoal deve incluir óculos de segurança, proteção respiratória ou equipamento e camisas de mangas longas.25 Além disso, a limitação da exposição no local de trabalho e o uso de um detector de gás de segurança pessoal pode ajudar na proteção dos funcionários que trabalham com exposição potencial a gás. Em uma análise retrospectiva, 77 das 80 mortes foram consideradas potencialmente evitáveis com o uso de um alarme de H2S ou medidores portáteis.26
Em conclusão, relatamos um caso de exposição ocupacional à H2S levando à insuficiência respiratória aguda, envolvimento de múltiplos órgãos simulando sepse e pneumonia organizadora. O diagnóstico de envenenamento por sulfato de hidrogênio se baseia principalmente na apresentação clínica e exposição. O envenenamento por H2S pode levar a morbidade neuropsiquiátrica persistente. O tratamento permanece geralmente favorável e os nitritos de amila podem ser benéficos.