Abstract

Anterior: Este estudo explora as preocupações e experiências relacionadas com a ausência involuntária de filhos de mulheres inférteis que vivem numa comunidade cultural urbana diversificada na África do Sul. MÉTODOS: Foram realizadas entrevistas em profundidade com 30 mulheres em busca de tratamento para a falta involuntária de filhos. As mulheres foram entrevistadas na altura da sua primeira visita a uma clínica de infertilidade num centro de referência terciária. RESULTADOS: Todas as mulheres verbalizaram emoções intensas sobre a sua incapacidade involuntária de ter filhos. Além disso, um grande número de mulheres sofreu consequências sociais negativas, incluindo instabilidade conjugal, estigmatização e abuso. CONCLUSÕES: Estas descobertas demonstram que a infertilidade pode ter um efeito sério tanto no bem-estar psicológico como no estatuto social das mulheres no mundo em desenvolvimento. Além disso, o estudo fornece uma visão do contexto cultural da infertilidade involuntária na África do Sul. A prestação de bons cuidados de infertilidade numa comunidade requer a consciência das implicações da infertilidade e o conhecimento do contexto em que estas ocorrem. Uma vez que muitas das implicações sociais negativas da infertilidade estão provavelmente enraizadas nas mulheres de baixo estatuto no mundo em desenvolvimento, uma intervenção eficaz acabará por exigir mudanças sociais, económicas e políticas.

Introdução

Apesar de uma elevada taxa de crescimento populacional em África, a infertilidade continua a ser um grande problema de saúde reprodutiva. A prevalência é elevada e a patologia subjacente afecta frequentemente a saúde física da mulher. Num estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde, a causa da infertilidade nos países africanos pode ser atribuída a infecções secundárias a doenças sexualmente transmissíveis e complicações da gravidez – em >85% das mulheres (Cates et al., 1985).

Infertilidade não é, no entanto, um problema exclusivamente médico. As consequências psicossociais da infertilidade têm sido amplamente estudadas e a ocorrência de estresse, ansiedade, depressão e dificuldades conjugais, assim como outros sintomas, têm sido relatados (Berg e Wilson, 1990; Downey e McKinney, 1992). Até recentemente, os estudos se concentraram predominantemente em pacientes de países industrializados, enquanto a experiência da infertilidade no mundo em desenvolvimento recebeu comparativamente pouca atenção (Ericksen e Brunette, 1996; Papreen et al., 2000; van Balen e Gerrits, 2001). Após a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento em 1994 e a Conferência Mundial sobre a Mulher em 1995, esse foco mudou gradualmente à medida que o estado precário da saúde reprodutiva no mundo em desenvolvimento e as dificuldades na prestação de cuidados de saúde reprodutiva eficazes em áreas com poucos recursos são cada vez mais apreciados (van Balen e Gerrits, 2001; Walraven et al., 2001).

Central para a prestação de cuidados de infertilidade eficazes é a compreensão das experiências e implicações da falta de filhos involuntários e do contexto religioso e cultural em que essas experiências ocorrem. Embora estejam surgindo estudos que fornecem tal percepção, a falta geral de informação e a necessidade de aumentar a conscientização tanto dos formuladores de políticas quanto do público tem sido reconhecida (van Balen e Gerrits, 2001; Walraven et al., 2001).

Este estudo relata as experiências, preocupações e comportamento de mulheres inférteis de uma comunidade urbana diversificada na África do Sul. O seu objectivo era sensibilizar os decisores políticos e os prestadores de cuidados de saúde de duas formas: esperávamos aumentar a sensibilidade às necessidades/demandas culturais na prestação de cuidados de saúde reprodutiva e também melhorar o conhecimento sobre as implicações potencialmente graves da infertilidade na África do Sul. A fim de capturar as complexidades dos fenómenos psicológicos e sociais estudados, foram utilizados métodos de investigação qualitativa. Esta abordagem evita o formato mais rígido de recolha de dados quantitativos, um formato que limita a capacidade de resposta do respondente e impede a exploração de tópicos inesperados (Berg, 1994). O valor das metodologias qualitativas na avaliação das implicações psicossociais da infertilidade tem sido cada vez mais reconhecido (Berg, 1994; van Balen e Visser, 1997).

O estudo foi realizado entre mulheres que se apresentaram a um serviço de infertilidade de nível terciário no setor de saúde pública. Na África do Sul, o sistema público de saúde oferece cuidados de saúde a baixo custo a todos os pacientes que não podem pagar por instalações privadas. Os pacientes que podem ter acesso a cuidados privados ainda podem entrar no sistema público de saúde, mas pagarão taxas mais elevadas. O sistema público de saúde está estruturado em níveis de cuidados primários, secundários e terciários. Embora algumas avaliações preliminares de infertilidade sejam realizadas em estabelecimentos de nível primário e secundário no contexto local da Cidade do Cabo, os casais que se apresentam com falta de filhos involuntária são geridos predominantemente no serviço terciário. Isto implica que as mulheres do nosso estudo não tiveram tratamento de infertilidade antes das entrevistas, a menos que tivessem acesso a cuidados de saúde privados.

Materiais e métodos

Este estudo foi realizado no Hospital Groote Schuur na Cidade do Cabo, África do Sul. Outras investigações foram realizadas no mesmo subgrupo (Grupo A) de uma população do estudo discutido em uma publicação concorrente (Dyer et al., 2002). Mulheres da comunidade local foram recrutadas para o estudo. Moldada tanto pela colonização como pelo sistema do apartheid, a comunidade da Cidade do Cabo é constituída por três grandes grupos raciais. Actualmente, aproximadamente metade da população do Cabo Ocidental é de cor (ascendência mista), enquanto os brancos e os negros constituem, cada um deles, um quinto da população. O relativamente baixo número de negros é um legado da política do apartheid que impediu os sul-africanos negros de residirem na área. Existem três línguas principais nesta região: os negros falam predominantemente Xhosa e Inglês e os negros de cor e os brancos falam principalmente Inglês e/ou Afrikaans.

Detail regarding the selection of participants and collection of data have been reported (Dyer et al., 2002). Resumidamente, foram entrevistadas trinta mulheres que se apresentaram para sua primeira visita à clínica de infertilidade. Elas eram compostas por quatro grandes grupos de mulheres: 12 mulheres de língua Xhosa negra, seis mulheres da comunidade muçulmana, seis mulheres de cor ou brancas e seis mulheres cuja situação econômica as classificou como “pacientes privadas” e que pagaram taxas hospitalares mais elevadas. Esta seleção de informantes de vários grupos de mulheres foi realizada a fim de obter uma amostra de estudo representativa da população atendida em nossas clínicas. O objetivo não foi analisar diferenças entre os grupos populacionais.

Métodos qualitativos de pesquisa foram aplicados a fim de se obter uma visão das complexas experiências de infertilidade. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas em profundidade, realizadas na língua preferida de cada mulher (Xhosa, inglês ou afrikaans). Todas as entrevistas foram realizadas na clínica de infertilidade antes da reunião das mulheres com qualquer membro da equipe clínica. As mulheres foram entrevistadas sozinhas. Os parceiros foram excluídos porque se previa que o abuso poderia fazer parte das experiências das mulheres e que a presença de um parceiro poderia inibir a comunicação. Todas as entrevistas foram conduzidas por uma enfermeira profissional que teve uma entrevista aprofundada e treinamento de aconselhamento. As discussões foram gravadas, transcritas e traduzidas para o inglês.

Foi desenvolvido um guia de entrevistas e perguntas focalizadas nas experiências psicológicas e sociais das mulheres de infertilidade. O guia da entrevista foi aberto e permitiu que novos tópicos fossem explorados à medida que se revelavam durante a entrevista. As transcrições das entrevistas foram analisadas indutivamente usando uma teoria fundamentada. Em resumo, a análise e apresentação dos dados de acordo com os princípios da teoria fundamentada incluem um processo sistemático de codificação de dados que consiste em codificação aberta, axial e seletiva. No processo inicial de codificação aberta, os dados são divididos em `categorias’ (contendo conceitos recorrentes) e subcategorias. Isto é seguido pela codificação axial, na qual as relações entre categorias são exploradas e os contextos e causas de comportamento identificadas. O processo de codificação axial é refletido principalmente na seção Resultados, mas também na Discussão deste trabalho. Finalmente, a codificação seletiva refere-se ao processo de elaboração de um relatório narrativo (Discussão) que integra as categorias de codificação axial e apresenta conclusões (teorias) que são “fundamentadas” nos dados originais (Creswell, 1998). O relatório narrativo da pesquisa qualitativa deve fornecer coerência e estrutura aos dados, preservando a narrativa dos participantes individuais (Berg, 1994; Ritchie e Spencer, 1996). Neste artigo, os títulos (categorias) da secção Resultados oferecem essa estrutura. As citações incorporadas (usadas na seção de Resultados) preservam a narrativa original e fornecem evidências específicas nas palavras dos informantes para apoiar a informação que foi extraída dos dados (Resultados) e as conclusões tiradas (Creswell, 1998).

Consentimento para realizar este estudo foi obtido do Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Cidade do Cabo. Todos os participantes deram o seu consentimento informado para a entrevista. Enfatizou-se que a recusa em participar do estudo não prejudicaria o gerenciamento posterior.

Resultados

Informação demográfica

As mulheres tinham uma idade média de 31,5 anos (variação de 21-41) e uma duração média de infertilidade de 4,8 anos (variação de 1-15). Dezoito mulheres não tiveram filhos vivos e apenas três participantes tiveram um filho na relação atual. Nenhuma das mulheres teve mais do que um filho vivo. Todas as participantes, exceto quatro, eram casadas.

Pessoas psicológicas

Todas as mulheres verbalizavam emoções intensas quando falavam de sua falta de filhos. Dor ardente, raiva, tristeza profunda, amargura, culpa, solidão e desespero eram sentimentos frequentemente descritos. Vários informantes choraram durante a entrevista. Algumas mulheres se referiram a episódios de ‘queimadura’ e ‘quebra-cabeças’ que elas experimentaram por causa da falta de filhos. Duas mulheres fizeram referência a pensamentos suicidas. Uma delas disse: “Eu saí com este tipo e não consegui engravidar. Agora ele foi para os homens, ele foi para ter sexo com homens. Então isso significa que eu sou inútil… Naquela noite. . . Eu queria pôr-me debaixo do comboio’. Esta mulher tinha experimentado a ruptura de vários relacionamentos por causa da sua incapacidade de conceber.

As mulheres explicaram que ‘querer um filho era o seu único desejo’ e, para verem isso tornar-se realidade, estavam preparadas para fazer ‘qualquer coisa’. As respostas à pergunta, por que uma criança era desejada, tipicamente incluída: Todas as mulheres querem ter filhos’, ‘todo homem quer ter um filho’, ‘não há propósito na vida, se você não pode ter filhos’ e querer dar amor a um filho’.

Instabilidade conjugal

Muitas mulheres sentiram que a infertilidade representava uma séria ameaça aos seus relacionamentos e estavam profundamente preocupadas com isso. As mulheres temiam e vivenciavam essa ameaça de duas formas diferentes: abandono e/ou divórcio ou infidelidade. A maioria das informantes parecia indefesa contra as ameaças ao seu relacionamento e muitas consideravam a fertilidade como uma função primária de ser mulher. A maioria das mulheres não parecia questionar este papel e estavam conscientes das consequências se não cumprissem a sua “função”. Um informante disse: “Eu não posso ser ninguém no mundo se não posso ter filhos. Ele vai procurar por outra mulher que possa ter filhos’. Outro explicou que ‘não ter um filho causa más relações na família’ e algumas mulheres evitaram o casamento por causa disso. A influência da família estendida na relação conjugal foi evidente em várias entrevistas. Essa influência foi tanto positiva (oferecendo apoio e orientação) quanto negativa (uma fonte de abuso e pressão adicional).

Submissão às consequências da infertilidade também se refletiu na experiência desta mulher: ‘Então meu marido começou a ter filhos fora do nosso casamento… Eu até fui com ele visitar todos os seus filhos’. Algumas mulheres pensaram em romper a relação elas mesmas, mas não sem angústia: ‘Eu tenho estado acordada à noite pensando no que ele vai fazer? Será que ele vai para outro lugar ou ficará ao meu lado? . Vou dar-lhe a sua liberdade . . . ele ainda pode fazer uma vida para si mesmo’. Algumas das mulheres muçulmanas temiam que o marido aceitasse uma segunda esposa. Um informante explicou que, de acordo com sua religião, o marido deve ter a bênção da primeira esposa antes de poder ter uma segunda esposa. Mas isso não é exigido de uma mulher que não pode conceber.

Nem todas as mulheres se sentiram ameaçadas em seu relacionamento. Várias mulheres descreveram seu marido como sendo solidário e compreensivo. Elas confiaram em seus parceiros e as viram como uma amiga, muitas vezes como sua única amiga. Algumas mulheres expressaram preocupação e simpatia por seus maridos. Elas sentiram que também elas ‘falharam muito’. Contudo, algumas mulheres estavam preocupadas que um bom relacionamento pudesse mudar se o problema da infertilidade persistisse. Talvez se ele descobrisse com certeza que eu não posso ter bebês, ele poderia começar a me tratar mal, mas agora ele ainda me trata bem.’

Embora as mulheres parecessem carregar o principal fardo das consequências sociais da infertilidade, havia algumas evidências de que o papel dos homens também poderia ser ameaçado. “Se ele não me puder dar filhos, posso fazer o que quiser. Ele é o homem e a figura principal na unidade familiar, mas se ele não conseguir completá-lo, então ele não é mais a figura principal”, disse uma mulher.

Estigmatização e abuso

Para a maioria das mulheres, a infertilidade tinha implicações sociais consideráveis, além de afetar sua relação conjugal. Muitas mulheres se sentiram estigmatizadas e ridicularizadas em suas famílias e na comunidade. As mulheres descreveram as suas experiências de muitas maneiras diferentes. Você vê, lá em casa, nas pátrias, você não remove o `doek’ até que você tenha um filho. Se você não tiver um filho, é melhor fugir ou você será ridicularizado’, explicou um informante. ‘É mau entre nós Xhosa, porque eles riem de você quando você não pode ter um filho’. Eles dizem. . . . por que você se casou com uma coisa que não pode ter filhos?’

Muitas mulheres descreveram como elas foram juradas, gritadas, amaldiçoadas e vitimizadas. Algumas sentiam-se proscritas, especialmente dentro da família de seus maridos. ‘Idlolo’ (árido) e ‘stjoekoe’ (fracasso) eram palavras usadas para desprezar uma mulher infértil. Embora algumas mulheres fossem capazes de ignorar tais abusos verbais, isso causou sentimentos de dor, tristeza e raiva em muitas outras. Joekoe, elas atiram em mim… Eu sinto-me lixo. É por isso que não tenho amigos”, explicou um informante. Algumas mulheres foram acusadas de causarem a sua própria falta de filhos. “Onde estão todas as crianças . . . cada vez que você está grávida você as bebe fora . . (você) os jogou na privada’, uma mulher foi informada por sua mãe.

Além de abuso verbal e emocional, algumas mulheres falaram sobre abuso físico. Isto foi sempre de um parceiro masculino e tinha ocorrido principalmente em uma relação anterior. A maioria das mulheres atribuía o abuso à sua falta de filhos: ‘Ele começou a me bater, era quase como se estivesse tirando todos os ressentimentos porque eu não posso lhe dar um filho’. A dificuldade de acesso à ajuda e a saída deste ciclo abusivo é confirmada pelo seguinte relatório: “Ele começou a bater-me, a espancar-me. Nós alugamos (alojamento) de pessoas, mas elas nunca me ouviriam. Quando ele começou a me bater, eu nunca faria um som. Não quero que as pessoas saibam o que está acontecendo na minha vida.’

Pressão social

Se não fosse abertamente culpado, as mulheres freqüentemente se sentiam pressionadas a engravidar. Perguntas comuns como `quando você vai ter um bebê’, embora não necessariamente com a intenção de machucar, muitas vezes infligiram dor. Uma mulher afirmou que era quase como se ‘estivessem a observar a minha menstruação’. Muitas mulheres sentiram essa pressão particularmente em reuniões familiares e se sentiram lembradas, intencionalmente e não intencionalmente, de seu status diferente como uma mulher infértil. Você sabe, você quase se sente deixada de fora. Todas elas têm seus filhos, estão enviando-os à escola e aqui você ainda está sentada sem filhos”, explicou um informante. Outro estava em lágrimas quando ela disse: `Você não sente que quer ir e visitar. Como na reunião, as mães gostam de falar sobre seus filhos… Então você se senta lá e apenas escuta, não pode falar com eles. É em momentos como este que realmente te magoa.’

Sustento e sigilo

As mulheres não foram diretamente questionadas sobre suas estruturas de apoio. No entanto, à medida que as mulheres relacionavam as suas experiências de infertilidade involuntária, as fontes de apoio e as formas de lidar com elas tornavam-se aparentes. Várias mulheres indicaram que receberam apoio de seus maridos. Mas a carga compartilhada da infertilidade parecia criar barreiras para alguns casais que evitavam discutir este tópico. Algumas mulheres receberam ajuda da família alargada. Nós temos o apoio de todos os membros da família. Ambas as famílias. Nós íamos até a família e falávamos com elas e elas nos davam conselhos. Minha mãe e sua mãe, elas são as pessoas mais velhas e sabem mais sobre essas coisas’, explicou um informante.

A crença religiosa era uma importante fonte de apoio. Isto foi experimentado por todos os grupos de informantes e expresso de forma semelhante: “Nós deixamos tudo para Deus. Deus nos protegerá’. A crença que Deus proverá não impediu que as mulheres buscassem ativamente ajuda. A nossa crença é que Deus deu aos médicos a idéia de como fazer essas coisas”, explicou um informante. No entanto, a religião nem sempre foi uma fonte de apoio, pois uma mulher se sentia punida por Deus com infertilidade por ter feito sexo antes do casamento.

Uma barreira para o apoio parecia ser a ‘segurança’ com a qual muitas mulheres lidavam com a sua falta de filhos. Poucos informantes sentiram que podiam discutir seu ‘problema’ abertamente. Muitas mulheres foram cautelosas e seletivas ao confiar em outras. As confidentes frequentemente partilhavam um passado semelhante. O meu outro amigo também está tendo problemas para conceber… Nós compartilhamos essa dor juntos’. Para algumas mulheres este ‘vínculo’ com outra mulher infértil criou sentimentos de apoio e ciúmes. Uma mulher falou sobre a ‘competição’ de engravidar primeiro e como ela estava orando para que sua amiga ‘não engravidasse antes de mim’. Mais tarde em lágrimas ela se sentiu culpada por estes pensamentos.

As mulheres evasivas não queriam falar aos outros sobre a sua falta de filhos involuntária. Às vezes esse desejo de sigilo refletia um sentimento de ‘privação’, um sentimento que era ‘entre mim e meu marido’. Muitas outras vezes, era baseado no medo. Tenho medo de falar com as pessoas sobre algo assim . . . porque elas vão dizer ao mundo inteiro que . . . não podem engravidar”. A fim de proteger o seu ‘segredo’ algumas mulheres mentiriam: ‘Eu menti-lhes’. . . Eu disse a elas que com meu atual marido eu não quero ter um filho e quero ter meu útero removido”, um informante nos disse. Outro nos explicou: ‘Eu me defendo . . . se uma pessoa está me perguntando ‘uuh, você ainda não tem filho’ eu digo ‘uuh, o que eu vou fazer com uma criança’, mas ei, dentro dela é doloroso’.

Finalmente, uma mulher tentou lidar com a ajuda de drogas. Eu até comecei a beber… para me ajudar a esquecer… porque os homens me deixam como eu não posso ter filhos. Você deve ter os seus, mesmo que essa criança morra mais tarde, dizem que pelo menos você teve um.’

Discussão

Os resultados deste estudo indicam um sofrimento pessoal considerável, juntamente com possíveis consequências sociais graves entre as mulheres inférteis de uma comunidade urbana culturalmente diversa na África do Sul. Nossos resultados estão de acordo com outros estudos qualitativos e quantitativos que indicam uma experiência extremamente negativa da incapacidade de conceber (Sabatelli et al., 1988; Wright et al., 1991; Van Balen e Trimbos-Kemper, 1993; Kemmann et al., 1998; Matsubayashi et al., 2001). Perda de auto-estima, ansiedade e depressão, desespero, culpa e dificuldades conjugais são consequências reconhecidas da infertilidade. Como o desejo de ter um filho tem sido dito estar entre as emoções mais fortes que as pessoas experimentam, não é surpreendente que a infertilidade tenha sido considerada a pior experiência da vida por aqueles que sofrem dela (Freeman et al., 1985; Downey e McKinney, 1992; Greil, 1997; Seibel, 1997). Semelhante a outros estudos, muitos clientes inférteis pareciam dispostos a fazer ‘qualquer coisa’ para resolver a sua falta de filhos involuntária (Kemmann et al., 1998).

Estudos de todas as partes do mundo relatam uma ‘pressãoormativa’ para se reproduzirem. De acordo com Sandelowski, a – embora involuntária – violação da norma comportamental para reproduzir resultados em um “estado evolutivo” do estéril (Sandelowski, 1988). Isto, por sua vez, cria sentimentos de “não se encaixar dentro”, “ser diferente” e “sair”. Os resultados do nosso estudo estão de acordo com este conceito. Entretanto, quando as implicações psicológicas e sociais desse status desviante são analisadas, as mulheres do mundo em desenvolvimento parecem carregar experiências negativas adicionais. Estigmatização, ostracismo, instabilidade conjugal e abuso não são achados únicos, mas parecem ocorrer com mais freqüência e com maior severidade. Isto é confirmado por alguns outros estudos que avaliaram as implicações sociais da infertilidade em África. Essencialmente todas as culturas africanas vêem as crianças como o objectivo do casamento. A infertilidade é reconhecida como a principal causa de divórcio e abandono em todo o continente (Leke et al., 1993; Sundby, 1997; Larsen, 2000; Walraven et al., 2001).

Um estudo da Nigéria indicou que as mulheres inférteis sofrem abuso físico e mental, negligência, privação económica e ostracismo social (Alemnji e Thomas, 1997). As mulheres inférteis em Moçambique são excluídas de eventos e cerimónias sociais importantes (Gerrits, 1997). A privação económica também tem sido relatada na Gâmbia onde, sob algumas leis consuetudinárias, as mulheres sem filhos têm muito poucos direitos de herdar propriedade dos seus maridos (Sundby, 1997). É interessante notar que consequências sociais similares foram relatadas por comunidades em desenvolvimento em outras áreas do mundo. Mulheres inférteis de uma população de favelas urbanas em Bangladesh têm sido relatadas como tendo sofrido uma perda de propósito na vida, insegurança conjugal, estigmatização e abuso (Papreen et al., 2000). Semelhante ao nosso estudo, estas mulheres sofreram frequentemente abusos por parte da família do marido. O nível de abuso foi considerado alto o suficiente para levar uma mulher ao suicídio. Estas semelhanças entre diferentes comunidades em desenvolvimento indicariam que as implicações sociais negativas da infertilidade provavelmente não são consequência de uma cultura específica, mas secundárias ao estatuto social e económico extremamente baixo das mulheres em muitas partes do mundo em desenvolvimento onde a sua função principal é a reprodução bem sucedida.

Para muitas mulheres as implicações psicológicas e as consequências sociais da falta involuntária de filhos foram agravadas pela falta de apoio. Uma barreira para o apoio pode ser o segredo com que muitas mulheres lidaram com o seu problema. Como isto foi muitas vezes por medo de repercussões sociais negativas, tem de se assumir que o apoio é realmente inexistente. A fim de evitar o rótulo de infertilidade, algumas mulheres fingiram que não queriam conceber. Uma estratégia semelhante foi encontrada entre as mulheres inférteis que vivem numa favela no Bangladesh, que fingiram abortar para parecer férteis (Papreen et al., 2000). Algumas mulheres receberam ajuda de outras mulheres inférteis, mas uma “competição para conceber” minou alguns desses laços. A tênue relação entre mulheres inférteis, que pode ser uma razão para a sua união involuntária e pode adquirir um componente hostil, já foi descrita anteriormente (Sandelowski, 1988). A falta de vontade de abordar abertamente o estado de infertilidade pode mesmo persistir durante uma consulta com um prestador de serviços de saúde, quando as mulheres podem queixar-se de dores vagas, corrimento vaginal ou irregularidades menstruais, em vez de se queixarem de falta de filhos involuntária (Dyer et al., dados não publicados). Esta “insegurança” com a qual muitas mulheres lidam com sua falta de filhos involuntária – por razões de “privação” e medo – provavelmente contribuirá para a “cultura do silêncio” que, segundo se diz, envolve vários problemas de saúde reprodutiva na África (Walraven et al., 2001).

O efeito da infertilidade sobre a saúde reprodutiva no mundo em desenvolvimento está começando a ser apreciado e a recomendação tem sido feita de que os países, apesar dos escassos recursos, devem desenvolver políticas de atenção à infertilidade (Van Balen e Gerrits, 2001). Apoiamos plenamente esta recomendação. Como enfatizado anteriormente, tais políticas têm que considerar o contexto sócio-cultural da falta involuntária de crianças em um determinado país ou comunidade e requerem sensibilidade cultural na prestação de serviços de saúde. Nosso estudo fornece informações importantes a esse respeito, pois destaca a gama e a profundidade das experiências associadas à ausência involuntária de crianças nesta população de estudo heterogênea. O conhecimento da gama de experiências contribuirá para a prestação de cuidados de saúde culturalmente sensíveis, por exemplo, ao compreender que algumas mulheres não podem casar sem demonstrar fertilidade, enquanto outras podem considerar a infertilidade uma punição para o sexo pré-matrimonial. A compreensão da profundidade das experiências deve aumentar a conscientização dos planejadores e prestadores de serviços de saúde sobre as implicações potencialmente sérias da falta de filhos involuntários entre as mulheres da nossa comunidade. De modo geral, essa conscientização ainda não existe, pois a atenção nacional e internacional está voltada para a diminuição da regulação da fertilidade no mundo em desenvolvimento (Papreen et al., 2000; Van Balen e Gerrits, 2001).

Nosso estudo foi realizado com 30 mulheres de uma comunidade cultural urbana diversificada que se apresentaram a uma instituição terciária para tratamento da infertilidade. Embora uma decisão consciente tenha sido tomada para excluir os homens deste estudo, a sua influência nas experiências das mulheres e nas práticas de busca de saúde é reconhecida e requer mais pesquisas. Estudos futuros também são indicados para avaliar as experiências e atitudes de casais inférteis que não querem ou não podem ter acesso a tratamento médico.

Concluímos que este estudo qualitativo sobre 30 mulheres inférteis de uma comunidade urbana sul-africana indica que para um grande número de mulheres a falta involuntária de filhos tem graves consequências sociais. Embora se deva ter cuidado para não generalizar – nem todas as participantes foram afetadas – as mulheres do nosso estudo foram expostas a abuso considerável, estigmatização e instabilidade conjugal. Os nossos resultados estão de acordo com relatos de outros países africanos. As graves consequências sociais são provavelmente baseadas numa norma de comportamento mais forte a reproduzir quando comparada com os países industrializados. Estreitamente ligado a isto está o baixo estatuto social e económico das mulheres em África. Para muitas mulheres inférteis nos países em desenvolvimento, estas experiências negativas são parte integrante da falta involuntária de filhos.

Os planejadores de saúde pública precisam tomar nota das implicações psicológicas e sociais da falta involuntária de filhos nos países em desenvolvimento. É em grande parte através dessas implicações que a condição aparentemente ‘benigna’ da infertilidade afeta seriamente tanto a saúde reprodutiva das mulheres quanto a saúde geral. O aconselhamento de apoio, prestado de uma forma culturalmente sensível, tem de ser parte integrante do tratamento. Em última análise, as questões subjacentes vão muito além da gestão eficaz da infertilidade e representam um apelo ao reconhecimento dos direitos reprodutivos das mulheres de comunidades em desenvolvimento e, mais importante ainda, à melhoria do seu estatuto social e económico.

4

A quem deve ser dirigida a correspondência. E-mail: [email protected]

As autoras desejam expressar sua gratidão a todas as mulheres que compartilharam conosco suas experiências. Gostaríamos de agradecer a Jeanette Bouverie, que realizou as entrevistas e transcreveu as fitas de áudio, o Conselho de Pesquisa Médica e o Comitê de Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Cidade do Cabo que financiou o projeto.

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