PARASITO E INFECÇÃO – PRIMEIROS RELATÓRIOS NO BRASIL
COMUNICAÇÃO CURTA

Primeiro caso confirmado de Diphyllobothrium latum no Brasil

FLN SantosII,1; LB de FaroI

ISetor de Parasitologia, Centro de Medicina Laboratorial, Av. Antônio Carlos Magalhães 4009, sala 5, 40280-000 Salvador, BA, Brasil
IICentro de Pesquisa Gonçalo Moniz-Fiocruz, Salvador, BA, Brasil

ABSTRACT

Diphyllobothriasis é uma infecção do intestino delgado pelo Diphyllobothrium sp. A sintomatologia associada é inespecífica, mas a anemia megaloblástica é uma complicação bem descrita. Embora a infecção seja comum em regiões temperadas, as descrições na América do Sul têm sido limitadas até agora ao Chile, Peru, e alguns casos na Argentina. Este trabalho apresenta o primeiro caso brasileiro confirmado de dipilobotriase. Uma mulher de 29 anos que vive em Salvador (estado da Bahia) aparentemente adquiriu a infecção ao comer sushi. O diagnóstico foi baseado no exame fecal que revelou uma grande quantidade de óvulos operculados. Uma única dose de praziquantel (600 mg) foi suficiente para curar a infecção.

Key words: Diphyllobothrium latum – infecção – Brasil

A crescente popularidade de frutos do mar crus ou crus no Brasil resultou na proliferação de certas infecções parasitárias humanas. Diphyllobothriasis, uma infecção do intestino delgado pela tênia larga Diphyllobothrium sp., é uma zoonose ictica adquirida por humanos e outros mamíferos (por exemplo, ursos, raposas ou cães) através da ingestão de peixe cru, mal cozido ou defumado (Essex & Magath 1931). Este verme é o parasita humano mais longo conhecido (10 m de comprimento ou mais) e pode viver até 25 anos no hospedeiro (Leiper 1936). Frequentemente não existem sintomas clínicos associados à infecção, à excepção da eosinofilia. No entanto, numa proporção dos casos há dor abdominal, perda de peso, anorexia, náuseas, vertigens e vómitos. Anemia por deficiência de B-12 tem sido descrita em casos de infecção prolongada (Osorio et al. 1974, Vuylsteke et al. 2004).

Esta infecção é comum em regiões com lagos de água fria, como a Europa (Dupoy-Camet & Peduzzi 2004), Ásia (Lee et al. 2001) e América do Norte (Hanlon et al. 1982). Na América do Sul, a infecção é comum no Chile e Peru (Reinhard & Urban 2003) e tem havido relatos esporádicos na Argentina (Semenas & Ubeda 1997, Semenas et al. 2001), nenhum caso brasileiro de difilobotriase foi publicado na literatura científica. Esta infecção não é autóctone no Brasil.

Caso – Uma mulher de 29 anos, residente em Salvador (estado da Bahia, região Nordeste do Brasil), apresentou ao ambulatório em setembro de 2004, com queixas de desconforto gastrointestinal, incluindo vários dias de dor abdominal, diarréia, cólica e náusea. Não foram relatados vômitos ou febre. A sua história clínica revelou que ela tinha comido peixe cru (sushi) com a sua família alguns dias antes. Foram realizados os seguintes testes laboratoriais: hemograma completo, bioquímica sanguínea e exame fecal (método do esfregaço grosso, três amostras colhidas em dias alternados). As análises químicas do soro estavam todas dentro dos limites de normalidade e o exame hematológico revelou: hemoglobina 14,0, hematócrito 43,1%, WBC 9,42 103/µl, plaquetas 370 103/µl, MCV 93,1 fL, MCH 30,2 pg, contagem total de eosinófilos 4,5%. O exame fecal revelou uma grande quantidade de ovos operculados (Figura). Não foram encontradas formas proglotiformes. Uma única dose de praziquantel 600 mg foi administrada, e as fezes da paciente foram encontradas sem ovos após um mês.

O ciclo deste parasita é complexo e envolve vários hospedeiros (Dupoy-Camet & Peduzzi 2004). Os óvulos fertilizados são libertados para o intestino. Na água, eles amadurecem em oito a doze dias a uma temperatura de água de 16-20ºC, e produzem larvas de coracídio que são ingeridas por um crustáceo copépode zooplanctónico. Cerca de 40 espécies de copépodes do género Eudiaptomus ou Cyclops são provavelmente os primeiros hospedeiros intermediários. Os estágios de vida livre emergem através do opérculo e são ingeridos por crustáceos, onde perdem seus cílios e penetram através da parede intestinal até o coelum. Lá, eles absorvem nutrientes e se desenvolvem para o estágio procercoide com um cercomer. Eles permanecem no copépode até serem comidos pelo segundo hospedeiro intermediário, geralmente um lúcio ou salmão. Depois de infectar o hospedeiro secundário, o parasita penetra no intestino, perde o seu cercomerco e chega ao músculo onde se torna um plerocercóide. Se o segundo hospedeiro intermediário é comido por um peixe predador maior, então os plerocercóides migram para o músculo deste peixe. O plerocercoide pode ter até alguns centímetros de comprimento, e é normalmente enrolado dentro da célula muscular. Quando os plerocercóides são ingeridos pelo hospedeiro definitivo, passam pelo estômago e o escólex fica incrustado na mucosa do intestino delgado e desenvolve-se rapidamente, produzindo ovos em 10-14 dias.

Diphyllobothriasis é tipicamente uma condição assintomática, mas muitos casos sintomáticos de infecção humana passam largamente despercebidos devido a sintomas inespecíficos como náuseas, desconforto intestinal, e diarreia. Entretanto, em alguns casos, a anemia megaloblástica se desenvolve como resultado de deficiência de vitamina B12 induzida por má absorção de B12 pelo hospedeiro (Osorio et al. 1974, Vuylsteke et al. 2004). O parasita cliva-se e absorve seletivamente a vitamina B12, competindo com o hospedeiro pela vitamina. Nosso paciente apresentou apenas sintomas inespecíficos desta infecção, e a ausência da anemia megaloblástica foi atribuível ao curto espaço de tempo entre a infecção e a detecção do parasita.

O diagnóstico desta infecção baseia-se na identificação de ovos fertilizados, operculados e ovóides nas fezes pelo método do esfregaço espesso. Os ovos possuem uma espessa camada externa, e ocasionalmente apresentam um botão oposto ao opérculo (Figura). Normalmente, uma grande quantidade de ovos (até 1 milhão) é produzida a cada dia. Os ovos medem 55-75 por 40-60 µm. Outras espécies de Diphyllobothrium também podem infectar humanos, mas os ovos de D. latum são semelhantes em tamanho aos identificados no paciente. De acordo com Baer et al. (1967) os ovos de D. pacificum, por exemplo, são de casca espessa, operculados, medindo 40-60 µm em comprimento e 36-40 µm em diâmetro; são assim consideravelmente menores do que os de D. latum com os quais não podem ser confundidos. O tamanho dos ovos de D. latum é 58-76 µm no comprimento e 40-51 µm no diâmetro.

Esta é uma doença mundial que afecta as pessoas perto de água doce e hospedeiros intermediários apropriados. As áreas onde o consumo de peixe cru/precozido é popular tendem a ter endemicidade. Na América do Sul, Chile e Peru são os países mais afectados (Semenas & Ubeda 1997, Semenas et al. 2001, Reinhard & Urban 2003). Este é o primeiro caso do Brasil descrito na literatura científica. A única fonte potencial de infecção que a mulher de 29 anos relatou foi comer sushi adquirido em uma rede de supermercados em Salvador.

Existe um grande número de medicamentos possíveis para tratar esta doença, e os dois principais utilizados são niclosamida e praziquantel, ambos altamente eficazes. Uma única dose de praziquantel (600 mg) foi administrada, e foi considerada adequada para a cura do paciente. A cura de controle desta infecção é a ausência de ovos nas fezes um mês após o tratamento.

Talvez a taxa de infecção do D. latum em humanos aumente com o aumento do consumo de carne crua (sushi, sashimi) e icticóide defumada, com conseqüentes impactos econômicos e sanitários negativos sobre a população brasileira. Entretanto, uma combinação de melhor vigilância sanitária dos peixes importados (salmão e outros) e maior ênfase em práticas sanitárias nos restaurantes parece ser a melhor estratégia para controlar e impedir a instalação deste helminto no Brasil. Outras medidas de controle eficazes incluem cozinhar o peixe adequadamente e congelar o peixe abaixo de 20ºC por um mínimo de 7 dias ou abaixo de 35ºC por 15 h antes da ingestão.

Baer JG, Miranda CH, Fernandees RW, Medina TJ 1967. Diphyllobothriais humanos no Peru. Zeitsch Parasit 28: 277-289.

Dupoy-Camet J, Peduzzi R 2004. Situação actual da diphyllobothriaisis humana na Europa. Eur. Mensal 9: 5-6.

Essex HE, Magath TB 1931. Uma comparação da viabilidade dos óvulos da ténia de peixe largo, Diphyllobothrium latum, do homem e dos cães: a sua influência na propagação da infestação com parasitas. Am J Hyg 14: 698-704.

Hanlon JT, Angle MA, Ebbert PJ 1982. Infecção pelo Diphyllobothrium latum num casal da Carolina do Norte. Sul Med J 75: 1431-1432.

Lee KW, Suhk HC, Pai KS, Shin HJ, Jung SY, Han ET, Chai JY 2001. Infecção por Diphyllobothrium latum depois de comer carne de salmão doméstico. Coreano J Parasitol 39: 319-321.

Leiper RT 1936. Algumas experiências e observações sobre a longevidade das infecções pelo Diphyllobothrium. J Helminthol 14: 127-130.

Osorio G, Daiber A, Donckaster R, Ubilla M, Con I, Anguita T, Pinto R 1974. Anemia megaloblástica grave devido ao Diphyllobothrium latum. Primeiro caso identificado no Chile. Rev Med Chil 102: 700-703.

Reinhard K, Urban O 2003. Diagnóstico de diphyllobothriasis antiga de múmias Chinchorro. Mem Inst Oswaldo Cruz 98(Suppl.1): 191-193.

Semenas L, Ubeda C 1997. Difilobotriais humana en la Patagonia, Argentina. Rev Saúde Pública 31: 302-307.

Semenas L, Kreiter A, Urbanski J 2001. Novos casos de Difilobotriais humana en la Patagonia, Argentina. Rev Saúde Pública 35: 214-216.

Vuylsteke P, Bertrand C, Verhoef GE, Vandenberghe P 2004. Caso de anemia megaloblástica causada por taeníase intestinal. Ann Hamatolol 83: 487-488.

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